13 janeiro 2007

*estranho&Drift*

Drift project
conexões performativas em fluxo:


Ao pensar no que fica, lembro de palavras como:
Coletivo-Possibilidades-Espaço-Branco-Altura-Troca-Verde-Afeto-Escada-Porta-Acesso-Encontro.
Com estas palavras tento organizar a memória, localizar as impressões das ações executadas durante uma semana de convívio; as lembranças guardadas no corpo e suas reverberações no espaço e no tempo. Onde nos levaram? Onde nos levarão?



Soube do Drift por um e-mail enviado por um amigo e o que me atraiu foi perceber que não se tratava apenas de um curso ou treinamento. A proposta da estrutura oferecida, a forma como o projeto foi pensado indicava uma real possibilidade de encontro, de cooperação e troca de experiências a partir dos interesses pessoais de alguns poucos artistas vindos de partes bem distintas do planeta, envolvidos, porém, num ambiente de ações sistematizadas, o que impossibilitaria um caos improdutivo. E este foi realmente o eixo principal de condução de toda a semana que passamos juntos: troca e cooperação.

Foi possível perceber mesmo nas pequenas atitudes cotidianas um sentido geral para se criar e manter um espaço sincero e livre de criação artística.Um espaço onde cada artista/performer age a seu critério a partir dos acordos fechados coletivamente. Treina-se toda manhã, todos têm à tarde para suas próprias pesquisas e toda noite apresentamos uns para os outros o “resultado” de nossas descobertas do dia; com o direito de se optar por ter ou não a opinião da audiência (parceiros de projeto) sobre algum aspecto específico de seu trabalho. Democrático, generoso e disciplinado.Em outras palavras: no Drift somos convidados a pensar em ação, ou a agir pensando numa integração entre corpo, mente e espírito. Ao mesmo tempo em que colocamos nossas ações numa rede de troca de ações e reflexões com os outros participantes gerando um fluxo contínuo de impulsos criativos que se estimulam mutuamente também na relação com o espaço e o tempo. Cada coisa tinha seu local específico pra acontecer e uma duração determinada.

Tive momentos sublimes durante a semana do Drift. Momentos de expansão, de escuta, de conexão com as pessoas e o espaço, momentos de silêncio em ação compartilhada no olhar e, como gosto de dizer, no vazio entre os corpos. Momentos que me fizeram sentir bem mais próximo do que acredito ser Arte, ou do que entendo como estar vivo realmente.

Momentos de pura conexão; onde o indivíduo e o coletivo - o um e o todo - se integram, cooperam e estimulam mutuamente num fluxo contínuo; onde as diferenças, de qualquer natureza que fosse, só ampliavam a multiplicidade de possibilidades criativas.

1º momento: Começar a trabalhar ainda antes de o dia nascer, às cinco da manhã, fechando os olhos quando ainda era noite e voltando a abrir com o dia claro. Este momento, a nossa sessão matinal, foi pra mim uma ‘ação metáfora’ de uma iluminação, de um despertar e de uma mudança. Fizemos isto já no primeiro dia que acordamos juntos, o que reforça a impressão, percepção e / ou sensação que tive do projeto. Percebo isto agora enquanto escrevo, enquanto tento traduzir a sensação que ainda está em mim de revelação que tive no exato segundo que abri o olho e vi que já era dia, que estava claro.

2º momento: Neste mesmo dia, já no treinamento da manhã conduzido pela Jade meu corpo viveu um sensação primeira. Durante uns três segundos, de cabeça para baixo, peso do corpo apoiado nas mãos e braços, pernas para o ar, eu vi o mundo de cabeça pra baixo e o mundo de cabeça pra baixo é uma parede branca.

3º momento: Correr em silêncio pela cidade ainda de madrugada, para vê-la acordar, para sentir seu ritmo e seu som e perceber que criamos uma conexão real, concreta como o espaço e com as pessoas, explico: já na corrida de volta, uma senhora bêbada começou a nos acompanhar, passou a nossa frente e começou a nos conduzir, como quem comanda um batalhão em treinamento, cantando: “a cor dessa cidade sou eu, o canto desta cidade é meu”. Ela estava muito feliz, sorria muito, dançava, agia e exalava o entusiasmo dos ébrios; nos acompanhou por todo o calçadão do centro e se despediu na esquina da avenida principal. Ao nosso redor também corriam latindo vários vira latas da cidade que também nos deixaram na mesma esquina; foram conduzidos pela cantoria da senhora bêbada. Apenas um pequeno cachorro nos acompanhou pelo resto de nosso percurso até o nosso portão de entrada.

4º momento: Na sexta feira fizemos aula no meio da mata, num alto descampado entre morros. O Jorge foi o condutor e num momento ele solicitou que eu e o espaço fossemos a mesma coisa, questionando como isto seria possível? Mas que também eu agisse no espaço e deixasse o espaço agir em mim. Quando ele veio me falar isto, eu estava fazendo um exercício de respiração e continuei neste caminho pensando no que ele tinha me dito: eu e o espaço. De uma forma suave e contínua senti que eu e o espaço éramos um só pela respiração, que não acontecia apenas pelo meu nariz e minha boca, o ar que entrava e saia de meu corpo, que o atravessava em várias direções me conectava e me tornava o próprio espaço. Foi interessante me perceber assim, por mais que eu já tivesse pensado nisto; eu não estava raciocinando sobre relação espaço corpo, eu estava (era) nesta (esta) relação. Até que houve um momento em que me senti bem fraco, quase nada, pequeno, esvaído; uma sensação próxima da tristeza ou melancolia. Achei um galho no chão e quando percebi já estava com ele na minha mão direita. Comecei a brincar desenhando no espaço e encostando o galho em partes do meu corpo, tudo aconteceu “naturalmente” durante um tempo até ele cair de minha mão. Tive vontade de pega-lo de volta pra levar comigo, mas desisti, não era necessário.

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Termino (?) este relato certo da validade das experiências compartilhadas, em muito acrescentaram concretamente na minha pesquisa, várias foram as descobertas geradas nesta semana. Todas as performances noturnas do projeto foram bem significativas, momentos também de transcendência através da arte; assim como as conversas, as reflexões, as dialéticas verbais sobre as performances executadas. E como tudo aconteceu em fluxo, em relação, acredito que esta impressão é coletiva; falo por mim, mas ouso achar que todos os participantes também passaram pelo projeto certos de sua importância. Percebo um desejo geral de continuidade, de reencontro marcado, de sensação de vínculo, de início de trajetória.
Que o fluxo se mantenha!

- os organizadores do projeto:

www. zecoraura.com
Jorge Lopes Ramosé co-fundador e diretor artístico da ZECORA URA Theatre (Londres) desde 2001, Jorge dirigiu 9 das 13 produções da companhia que visitaram mais de 10 países incluindo Finlândia, Polônia, Alemanha e Islândia. Como ator, sua experiência profissional se estende a projetos com diversas Companhias e Festivais de Teatro \ne Cinema no Japão, Espanha, Inglaterra, Escócia, Brasil e Portugal. Atualmente, Jorge vem ministrando palestras e workshops sobre sua pesquisa em cursos de Mestrado e Bacharelado nas Universidades Central School of Speech and Drama (Lodres), University of East London (Londres), Manchester Metropolitan University (Manchester) e na Rose Bruford College (Londres) onde e artista em residência desde 2003. \nA investigação presente em o corpo como canal e derivada de seu treinamento intensivo com discípulos diretos de Jerzy Grotowski, Kazuo Ohno, Tatsumi Hijikata, Tadashi Suzuki, Pina Bausch, Jacques Lecoq, Edward Gordon Craig, Mestre Pastinha, Phillipe Gaulier e Peter Brook. A veia teórica dos textos de AnAntoin Artaud e Tadeusz Kantor são fortes influencias que sustentam seu trabalho pratico
www.para-active.com
Persis-Jade Maravalajuntamente com Jonathan Grieve estabeleceram PARA ACTIVE (2) em 1999, Londres. Desde entao Jade tem liderado a criacao do trinamento continuo da companhia, bem como produzido espetaculos aclamados no Reio Unido e Internacionalmete por sua natueza desafiadora. Com Para Active ela co-dirigiu e representou nos ultimos 5 projetos. Jade se compromete a uma abordagem inter-cultural que provoca encotros culturais em performance, tendo como seu objetivo principal desenvoler o teatro como encontro que se foca num um espaco de cultura ativa. Dentre as varias fontes de seu treinamento teatral, Jade tambem desenolve constantemente projetos com membros mais antigos do Jerzy Grotowski Centre na Italia e na Polonia. Ela hoje lidera um laboratorio de perquisa teatral (unico por sua natureza) situado no Leste de Londres.

*todas as imagens de Lenadro Marmam

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