16 novembro 2007

***eu*kantor***

* * * Eu * * *
Os dois personagens gêmeos / no espetáculo /
não são simplesmente dois sósias, são alguma coisa além.
O sósia é um segundo exemplar feito fisicamente e biologicamente em modo análogo ao primeiro.
Esta perfeita semelhança pode provocar na vida diversos efeitos:
Cômicos ou trágicos.
Na literatura do gênero fantástico pode conduzir a um tipo de plena integração biológica e espiritual / por exemplo, quando um morre, morre também o outro /.
Aqui, no espetáculo, este fenômeno assumiu uma forma extrema, que foge da lógica do raciocínio e da compreensão.
Uma recíproca perda de consciência do próprio ‘eu’.
Uma forma de puro agir cênico.
Quando estão juntos
um troca o outro por si mesmo.
Quando, ao contrário, estão sozinhos,
e sabem, por exemplo, que devem estar em um lugar e não em outro,
ficam surpresos pela própria ausência
e vão ao encontro de si mesmo.
Parece-me que esta manifestação, para além do bom senso,
constitui uma metáfora
e se refere à essência mais profunda da arte e da vida
... Vou a busca de mim mesmo! ...
Eu mesmo me acredito ‘o outro mim mesmo’:
a minha obra
a minha obra e eu.
Uma de frente ao outro!
É um tipo de loucura.
Neste momento tomo consciência de uma minha estranha propriedade / provavelmente não somente minha / na qual não prestava atenção e não podia disso tirar conclusões de ordem geral.
Na minha juventude, quando as minhas forças psíquicas interiores tinham ‘mobilidade’ bem maior e maior capacidade de ‘sair’ do âmbito da consciência do meu organismo - capacidade para ‘excursões’ ou viagens fora de si,
e capacidade de conjugar-me com fenômenos e sistemas fora de ‘mim’,
enquanto estava pintando um quadro,
depois de um certo tempo / e tratando-se frequentemente de muitas, muitas horas /
era como se desvanecesse, perdesse consciência do meu existir,
um tipo de desmaio, mas sempre lúcido.
Como se o quadro fosse eu mesmo.
Era uma sensação muito concreta / nenhuma poesia / ,
vagamente prazerosa / nenhum “encantamento”,
um tipo de ausência.
Escrevo tudo isto depois de ter criado uma situação cênica, depois de um ensaio com os atores.

16 abril 1985
Tadeusz Kantor
* * * com influência de João de Ricardo (que amanhã vai fazer 30 anos.)

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