17 novembro 2007

{o invisível estranho}

***O estranhamento detonador desta ação em processo foi a percepção de minha cegueira cotidiana. Estranhei o que meus olhos não viam mais, estranhei o invisível das ruas, estranhei o grande número de corpos sentados nas calçadas das cidades de Maceió, geralmente com o olhar para o chão, quase nenhum movimento ou som produzido, só alguns lamentos ou pedidos traduzidos em pequenos gestos ou sons esporádicos, quando não o silêncio absoluto, a abstração, a fantasia, o delírio. Corpos tristes e com feridas expostas, não necessariamente só feridas físicas, mas todas abertas a apreciação incômoda de quem sempre atrasado anda de um lado para o outro. Não tem tempo de ver; hoje, tempo é dinheiro e dinheiro ninguém é besta de perder. Além do que, olhar gera comprometimento, conecta, afeta; então é melhor não ver, ou, como num teatro de fantoches, melhor é nos deixarmos manipular, e fingir não ver. E fingimos tão bem que até passamos acreditar que eles, estes corpos sentados nas calçadas, não existem mesmo. Pelo menos não mais como semelhante, ou seja, como seres humanos. Assumem, impostos por nossa cegueira coletiva, um outro papel no jogo das relações cotidianas, tornam-se invisíveis. Um papel imposto. Eles não são donos de nada e assim nada podem decidir, estão sujeitos aos interesses de forças entrelaçadas numa complexa rede, onde são forçados a creditar sua existência em favor da manutenção do bem estar e felicidade de alguns outros poucos semelhantes, os mesmo que desconsideram a validade de seus corpos e suas vidas. Um mal necessário, ousa-se falar. Assim, esta invisibilidade assumida como estratégia egoísta de um mal necessário em favor de um provável bem maior (e quanto maior e para poucos melhor), que seja, a manutenção e acúmulo dos bens de consumo, que supostamente geram bem estar e felicidade, vai deixando de lado, às margens como é comum falar, um número também cada vez maior de seres humanos renegados de sua condição primeira. Com seus trajes velhos e sujos, estes corpos das ruas, se inserem no fluxo acelerado da cidade num lugar de não existência, geralmente associados a incapacidade, frustração e derrota.
***texto em construção

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