15 novembro 2007

>>>>>>>>>>A visão de Bavcar

Recebi por email este fichamento feito por Renata Voss com reflexões do fotógrafo Egven Bavcar sobre o visível, o invisível e as nuances entre eles. Um verdadeiro presente. no final coloco a referência para quem interessar.

Egven Bavcar Em Diagonal - texto de Elida Tessler:

P. 7

“O gesto do disparo da câmera, penso, corresponde ao de um olho que pisca.”

P. 8

“Olho uma cidade observando como os outros a olham”

P. 9

“Egven Bavcar assume o estado móvel e seguro de uma agulha magnética, girando em torno de um eixo que passa por um centro de gravidade próprio, na busca de novas orientações para as questões que envolvem a construção de um olhar.”

P. 11

“A trama da obra de Egven Bavcar é a ruptura radical entre o visual e o visível, entre a imagem e o imaginário, entre o ver e o pensar.”

“A fotografia de Bavcar está mediada por palavras.”

P. 12

“(...) Todo mundo utiliza o olhar do outro só que em outros planos, sem se dar contra sempre. E como não se pode nunca ver com os próprios olhos, somos todos um pouco cegos. Nós nos olhamos sempre com o olhar do outro, mesmo que seja aquele do espelho” (Egven Bavcar)

Entre o que se imagina e o que se pode tocar – com palavras no meio (texto e João Bandeira)

P. 15

“(...) Pessoas relatam para ele os locais e o que há neles, enquanto Bavcar posiciona e clica sua câmera. Revelado o filme, novos relatos serão a base para a escolha das fotos que irá assinar. (...)”

TEXTOS DE BAVCAR:
P. 83

“(...) A dança mostrou-se-me como uma forma da dialética do corpo em vários termos, não apenas binária, ternária, esquivando-se assim do sistema fechado e das ideologias que gostariam de confiná-la (...)”
P. 91

“Talvez o encanto dessas viagens sem topologia precisa consista na ausência de pontos de referência e na certeza de que, aconteça o que acontecer, a tecnologia ruidosa que me cerca irá pousar em algum lugar dessa terra onde minha existência não pesa mais que um ponto infinitesimal negligenciável.”
P. 96

“É pela terra que foi um astro que podemos perceber as estrelas.”

P. 103

“(...) compreendi que as imagens têm realmente necessidade das trevas, da cegueira total, para aparecerem em toda a sua fragilidade. (...)”
P. 109

“(...) Aliás, partir não é morrer um pouco, como se diz? (...)”
P. 115

“(...) Se o mundo apresenta nele mesmo uma imagem forte, facilmente apreensível, suas sombras testemunham sempre uma grande fragilidade. (...)”

P. 116

“(...) Creio que há sempre em nós fronteiras traçadas pelas pedagogias que seguimos e pela consciência que a pertença da identidade faz nascer em nós. (...)”

“(...) Não convém levar muito a sério essas angústias do infinito em nós inculcadas pelas tendências locais e alimentadas pelos espíritos bairristas de todos os que não ousam habitar os espaços infinitos das novas esperanças.”

P. 117

“(...) Naquele tempo, o mundo era para mim uma realidade plana, e eu sabia que um dia o destino me obrigaria a deixar para sempre essa experiência bidimensional do mundo.”

“(...) Eu pedia aos espaços infinitos que viessem um pouco mais para mim, (...)”
P. 119

“(...) ele olhava o tempo todo para além do rio. Não senti isso apenas por causa da proximidade do rio, mas sobretudo pela amizade que sinto por todos aqueles capazes de dirigir sua visão para além da percepção imediata.”

“Graças a amigos descobertos em Porto Alegre, pude falar de outro modo do corpo, do olhar de Eros ferido, das imagens impossíveis, em suma, de tudo o que poderá um dia talvez mudar as visões estereotipadas e as interpretações fatigadas. (...)”

P. 123

“..., ousei compreender que ela vivia numa abundância de tempo disponível, enquanto eu, ao contrário, tinha muita pressa, sabendo perfeitamente que as andorinhas logo voam se não há um olhar para retê-las um pouco.”

P. 124

“... pois para mim o tempo nunca tem a mesma duração que para os outros.”
P. 125

“No salão da prefeitura, tentei explicar meu procedimento fotográfico contando a famosa história do elefante e dos cegos. ‘Era uma vez, numa aldeia remota da Ásia, cegos que nunca tinham visto um elefante. Quando um guia trouxe um paquiderme até junto deles, ele disse: ‘Olhem essa maravilha!’. Os cegos puseram alguns olhares aproximados sobre o animal, e cada um pôde contar sua própria história. O que examinou a tromba, disse que um elefantes era como um tubo’. Acrescentei, pois a história parecia interessante para o público, que, não vivendo na África nem na Ásia, o guia de elefante (no caso, o destino) me trouxe uma mulher. ‘E como é essa maravilha?’, ele perguntou. Então examinei de perto deu peito e disse: ‘Uma mulher é como as cúpulas douradas da igreja São Basílio de Moscou ao pôr-do-sol”

“(...) Todo mundo deseja olhar para além do visível, mesmo os animais, sem que possam exprimir isso verdadeiramente.”
P. 128

“(...) eu sabia que uma revolução fracassada podia ser algo melhor que a que nunca se fez. (...)”

P. 129

“(...) O olhar, como todos sabem, é sempre o do outro. (...)”

P. 130

“(...) Graças à alquimia da palavra e da imagem, posso revisitar também os lugares de onde parti há muito tempo.”

P. 135

“As figuras míticas de nossa cultura greco-romana, como o Ciclope, Édipo, Ulisses, Tirésias e Argos, nos revelam a história do olhar em suas formas mais primitivas. (...)”

“No desenvolvimento do ‘saber olhar’ mítico, Ulisses representa o olhar normal, ouseja, a visão comum, a visão natural, reputada perfeita. Tendo Ulisses vencido a batalha contra o Ciplope, o olhar monocular torna-se inadaptado quando o olho humano começa a pensar no que vê, e a diferenciar entre o significante e o significado, entre o objeto e seu signo, a pessoa e seu nome. (...)”

P. 137

“O sacrifício do olhar monocular do Ciclope é necessário para pagar o privilégio de não olhar todo o tempo a mesma coisa, sem apelo e sem esperança de ver também por nós mesmos. (...)”

P. 138

“(...) é verdade que o mundo moderno, com suas inumeráveis câmeras, visíveis e invisíveis, põe-se a sonhar com o poder de Argos, quando, às vezes, em sua cegueira generalizada, perde a consciência de poder ser visto. (...)”

P. 139

“(...) Na época do todo-visual, que começa a nos fazer esquecer a importância do verbo e da narração, somos obrigados a nos interrogar sobre os fantasmas diários, (...)”

“Quanto mais se estende o mundo visível, mais se alarga, também, pela mesma lógica e na mesma proporção, o mundo invisível. Para que servem todos os satélites de observação, Argos do espaço, se não sabemos mais olhar além de nosso pequeno cotidiano visível? (...)”

“ ‘É preferível’, como diz um provérbio russo, ‘acreditar em seu próprio olho, mesmo se ele é vesgo’”

“No domínio da ciência moderna, não seria abusivo conferir mais valor a esse nosso terceiro olho, o da representação interior, voltado para o invisível. (...)”

P. 140

“Entretanto, em cada época da história dos homens existiu um infinito, para além do horizonte de nosso olhar físico. O infinito, como aspiração a ir além do visível, foi sempre a vontade de ver as coisas exteriores por nossa interioridade também, e de dar assim a nosso olhar exterior a capacidade de ultrapassar as visões mais imediatas. No olhar humano de hoje, reflete-se a memória de todos aqueles que, antes de nós, queriam olhar com seus próprios olhos, e que nos legaram o dever de prosseguir sua missão, nas dimensões temporais e nos espaços do universo que são nossos.”

P 141

“(...) Aceitar a cegueira é admitir o mundo dos objetos que manifestam sua materialidade por meio das sombras que lhes asseguram uma realidade tangível, para além da transparência absoluta do todo-visível.”

“Para mim, os cegos representam o único grupo que ousa olhar o sol diretamente nos olhos. (...)”

“Se me defino como iconoclasta exterior e iconófilo interior, é para tentar reconciliar os dois modos de visão possíveis, e sobretudo para revalorizar o olhar do terceiro olho. (...)”

P. 142

“(...) Pode-se, pela mesma lógica que fazia Plotino dizer que o olho humano não poderia perceber o sol se ele próprio não tivesse algo de solar, afirmar que o dia que nos ofusca não nos daria a menor imagem se nosso olho não fosse preparado pelos sonhos noturnos. (...)”

P. 143

“(...) A câmara escura não é, em realidade, senão um espaço cósmico em miniatura onde há a alternância entre a noite e o dia. (...) ”


“(...) A pupila dos cegos é seu corpo inteiro. (...)”

P. 144

“Uma vez desabrochadas, essas flores escurecem, acumulando dentro delas a luz transformada nas trevas de sua própria morte. (...)”

“(...) não cessam de reproduzir o retorno às trevas, para que um novo nascimento da luz se inscreva em suas sementes calcinadas.”

“(...) o fotógrafo nunca pode situar-se nem do lado das trevas nem do lado da luz, mas nos interstícios – o espaço privilegiado dos anjos – que se voltam ao mesmo tempo para o lado visível e para o lado invisível das coisas. (...)”

P. 145

“Eis por que decidi observar minhas próprias fotos através da fala de outrem que, como o verbo bíblico, torna as coisas visíveis,. Se para alguns o amor é dar o que não se tem, não lamento esse ato de amor que chamo minha fotografia conceitual, isto é, a doação da imagem”



BAVCAR, Egven. Memória do Brasil. Org.: TESSLER, Elida; BANDEIRA, João. Ed. Cosac & Naify. São Paulo, 2003.

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