01 setembro 2008

de Clarisse para Hamlet e Ofélia

LISPECTOR, Clarisse. A paixão segundo G.H.. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Mas por que exatamente em mim fora repentinamente se refazer o primeiro silencio? (70: 1998).

Mas por que eu? Mas por que não eu. Se não tivesse sido eu, eu não saberia, e tendo sido eu, eu soube – apenas isso. O que é que me havia chamado: a loucura ou a realidade?
A vida se vingava de mim, e a vingança consistia apenas em voltar, nada mais. Todo caso de loucura é que alguma coisa voltou. Os possessos, eles não são possuidos pelo vem, mas pelo que volta. Às vezes a vida volta (...) O inferno, porque o mundo não tinha mais sentido humano, e o homem não tinha mais sentido humano. (70: 1998).

Eu estava sabendo que o animal imundo da Bíblia proibido porque o imundo é a raiz – pois há coisas criadas que nunca se enfeitaram, e conservaram-se iguais ao momento em que foram criadas, e somente elas continuaram a ser raiz ainda toda completa. E porque são a raiz é que não se pode comê-las, o fruto do bem e do mal – comer a matéria viva me expulsaria de um paraíso de adornos, e me levaria para sempre a andar com um cajado pelo deserto. Muitos foram os que andaram com um cajado pelo deserto. (72:1998)

que ideal me prendia ao sentimento de uma idéia? Por que não me tronaria eu imunda, exatamente como eu toda me descobria? O que temia eu? Ficar imunda de que? (73:1998)

cada vez mais eu não tinha o que pedir. Eu via, com fascínio e horror, os pedaços de minhas podres roupas de múmia caírem secas no chão, eu assistia à minha transformação de crisálida em larva úmida, as asas aos poucos encolhiam-se crestadas. E um ventre todo novo e feito para o chão, um ventre novo renascia (75:1998)

eu perdera as idéias (75:1998)

eu estava comendo a mim mesma, que também sou matéria viva do sabath (130:1998)

Agora preciso de tua mão, não para que eu não tenha medo, mas para que tu não tenhas medo. Sei que acreditar em tudo isto será, no começo, a tua grande solidão. Mas chegará o instante em que me darás a mão, não mais por solidão, mas como eu agora: por amor. Como eu, não terás medo de agregar-te á extrema doçura enérgica do Deus. Solidão é ter apenas o destino humano.
E solidão é não precisar. (170:1998)

até agora eu tinha chamado de vida a minha sensibilidade à vida. Mas estar vivo é outra coisa. Estar vivo é uma grossa indiferença irradiante. (171: 1998)

quando se realiza o viver, pergunta-se: mas era só isto? E a resposta é: não é só isto, é exatamente isto.(173:1998)

Mas agora, através de meu mais difícil espanto – estou enfim caminhando em direção ao caminho inverso. Caminho em direção à destruição do que construí, caminho para a despersonalização. (173:1998)

Aquilo de que se vive – e por não ter nome só a mudez pronuncia – é disso que me aproximo através da grande largueza de deixar de me ser. Não porque eu então encontre o nome do nome e torne concreto o impalpável – mas porque designo o impalpável, e então o sopro recrudesce como na calma de uma vela (174:1998).

a vida é uma missão secreta. Tão secreta é a verdadeira vida que nem a mim, que morro dela, me pode ser confiada a senha, morro sem saber de quê (174:1998).

E eu também não tenho nome, e esta é o meu nome. E porque me despersonalizo a ponto de não ter meu nome, respondo cada vez que alguém disser:eu (175:1998).


Ah, mas para se chegar à mudez, que esforço da voz. Minha voz é o modo como vou buscar a realidade; a realidade, antes de minha linguagem, existe como um pensamento que não se pensa, mas por fatalidade fui e sou impelida a precisar saber o que o pensamento pensa. A realidade antecede a voz que a procura, mas como a terra antecede a árvore, mas como o mundo antecede o homem, mas como o mar antecede a visão do mar, a vida antecede o amor, a matéria do corpo antecede o corpo, e pro sua vez a linguagem um dia terá antecedido a posse do silêncio (176:1998).


A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes (176:1998).

A insistência é nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. Esó esta é a glória própria de minha condição. A desistência é uma revelação (176:1998).

Enfim, enfim quebrara-se realmente o meu invólucro, e sem limite eu era. Por não ser, eu era. Até o fim daquilo que eu não era, eu era. O que não sou eu, eu sou. Tudo estará em mim, se eu não for; pois “eu” é apenas um dos espasmos instantâneos do mundo. Minha vida não tem sentido apenas humano, é muito maior – é tão maior que, em relação ao humano, não tem sentido (179:1998)

Pois como poderia eu dizer sem que a palavra mentisse por mim? (179:1998)

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