04 dezembro 2007

.os "não lugares" inventados de Fiore.



>>>>>>>>>>>>>>>> Continuação virtual da apresentação do seminário A cidade e os processos criativos:
O seminário se estrutura a partir das relações entre as pesquisas artísticas dos artistas Mário Fiore e Flávio Rabelo e foi elaborado para a disciplina Seminário Avançado, com as professoras Sarah Lopes e Verônica Fabrine, no programa de pós-graduação do Institudo de Artes da Unicamp.
Nesta postagem são utilizados trechos do texto em construção do artista Mário Fiore refletindo sua própria criação em artes visuais. Sua produção recente é objeto de sua pesquisa de doutorado.
As imagens utilizadas foram produzidas coletiva e espontaneamente pelos integrantes da turma durante a apresentação da primeira parte do seminário (presencial) , realizada no dia 29 de novembro de 2007, no Institudo Artes da Unicamp.
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“Todos trazemos em nós sem nos darmos conta, o sentido do espaço da cidade onde vivemos: suas amplitudes, suas distâncias, seus percursos, seu ar, sua luz, sua cor, as coisas que a preenchem. É uma imagem indefinida, incolor, fragmentária...”.[1]

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De fato, a pintura não se encontra nos interiores dos ateliês, está na própria cidade. Inventa-se uma nova cidade todos os dias, por meio de marcas e inscrições que se acumulam no espaço urbano como algo vivo, dinâmico e sem planejamento: “Revelar esta poética acidental das paredes da cidade é dar forma a um surpreendente arquivo da cultura urbana contemporânea”.[2]


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A série foi chamada locus amoenus, a expressão latina refere-se ao tema do jardim descrito segundo a tradição da antiguidade greco-romana como o paraíso terrestre, a “paisagem ideal”.[3] O título guarda certa ambigüidade com as pinturas, pois estas são representações desérticas, áridas, por vezes tristes. Não se vêem pastores tocando flautas, ovelhas, amantes nem semideuses mitológicos.[4]

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O espaço da tela dividida em quadrículas preenchidas com cores denota a busca de método para estruturar o espaço e assim, ordenar os elementos que compõem a pintura, ou seja, direcionar a percepção para uma visão mais “construtiva” da paisagem, para as estruturas formadas por mapas de ruas das grandes cidades:

“O mapa introduz a idéia de uma ‘visão’ que abrange o que nenhum ponto de vista pode abarcar. O mapeamento vem a ser a primeira imagem de uma paisagem que não pode ser apreendida diretamente pelo olho”.
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Os trabalhos mais recentes reportam-se a espaços e lugares desconhecidos. Nada se sabe sobre eles, nunca foram sequer vistos. Não os conheci ou conhecerei. Não existem nem foram inventados, nem imaginados, nem projetados. Como inventar “não-lugares”? Também não são as salas-de-espera com música-de-espera dos aeroportos. São lugares da memória, da poesia, da música, dos mapas, dos sonhos.[6] Definidos por linhas de horizonte e fuga - Deleuze nos diz ”o que define a casa são as extensões” – e por planos desorientados que dão à carne “a sua segunda armadura”. A primeira é feita de pano e feltro. Fazem do homem o animal mais vestido e calçado, conforme nos ensinou o poeta.[7] Não são cópias da realidade. Resultam de formas entrelaçadas a outros elementos imaginados. Oriundas da percepção afetiva de territórios não somente espaço-temporais, mas qualitativos, como um canto, uma cor. Territórios do eterno retorno. Em quase todas as imagens nota-se elementos do passado longínquo e impressões recentes.
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[1] BACHELARD, G. in_____ARGAN, G.C. Arte moderna. Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos; São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.431.

[2] PHILLIPS, C. “When Poetry Devours the Walls”; in: Art in America, february 1990, p. 138.

[3] DELUMEAU, Jean. Uma história do paraíso. Lisboa: Terramar, 1994, p.17.[4] Verificar Anne Cauquelin: A Invenção da Paisagem – trecho sobre pastores, etc.

[5] PEIXOTO, Nelson Brissac. Intervenções em grandes escalas in Kant. Crítica e estética na modernidade. / org. Ileana Pradilla Cerón e Paulo Reis. –São Paulo: Editora Senac São Paulo, 1999, p.240.

[6] “...Cada cidadão pode eleger seus marcos: são os lugares, que a nível existencial passam a ser mais do que simples espaços ocupados ou a serem ocupados. Eles se constituem no ponto e no instante de um encontro com a paisagem. (...) Do percurso evocativo dos lugares vividos e também dos lugares sonhados e imaginados, surgem as imagens da cidade convertidas em litografias. Com essas imagens renuncia-se à pretensão de fornecer verossimilhança ou duplicatas da realidade do mundo exterior, para se propor outras realidades, resultantes do inventário de signos recolhidos pela memória e articulados pelo imaginário.São as mesmas realidades que percebemos nas paisagens turbulentas de Turner, nas visões utópicas de Piranesi, nos espaços metafísicos de De Chirico e de Max Ernst, na humanidade e desumanidade das cidades de Hopper. Nas obras desses e de outros artistas, a imagem da cidade não implica em formas de reconhecimento, mas de conhecimento. Elas resultam de uma relação sensível com a paisagem urbana, onde encontramos mais revelações do que informações.” Renina Katz. A Cidade / Paisagem Urbana / Lugares. Tese de Doutorado, FAUUSP, 19??.

[7] “Formas do nu”. João Cabral de Melo Neto.

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