22 abril 2008

Arquiélego n.1

Por definicao, um arquipelago é um conjunto de ilhas, no nosso caso, trata-se de um coletivo de performadores cercados de desejos e duvidas por todos os lados. Artistas pesquisadores, pessoas inquietas descobrindo sua maneira de AGIR no mundo.

Somos todos liquidos, e isto não é novidade pra gente, por isto, resta-nos festejar as marés, viver os pequenos fluxos e refluxos cotidianos e agir. Agir em casa e na rua, no publico e no privado, sozinho e em bando, junto e separado, presente e mesmo ausente, de perto e de longe, dentro e fora, na realidade e na ficcao, na memoria e na invencao, nas dobras do corpo, na sombra, no duplo, no tempo e no espaco, nas palavras, no pensamento, no suor e no silencio. O que nos motiva é a acao.


As ilhas são:

Flavio Rabelo, o estranho

Isabela, a isla Bela

Joao, o de Ricardo

Shima, ou Shima mesmo (virtualmente presente nesta acao)



Faremos nossa primeira acao coletiva na proxima quarta-feira, dia 23 de abril, na fonte desativada do circulo basico da Unicamp, por nos batizada de 'rodela'. Para isto faremos um intensivao de trabalho neste feriado (domingo e segunda-feira) para decidirmos detalhes de um possivel roteiro de acoes individuais e coletivas.

Pensando nos interesses de minha pesquisa e no que posso oferecer para o coletivo, acabei estruturando uma performance que pretendo executar sozinho em outro momento. Agora, para o arquipelago n. 1, esta estrutura sera diluida e transformada na porosidade dos desejos coletivos em questao.

Esta nova acao de minha pesquisa vai se chamar Estranho, voce não é cego. Ela é fruto das ultimas (re)leituras, principalmente o texto sobre O estranho (Unheimlich) de Freud e do Work in Progress do Cohen. Sua criacao foi diretamente inspirada no Ensaio sobre a Cegueira, do Saramago e tambem reflete esta fase atual da pesquisa, onde estou trabalhando de forma mais introspectiva, 'tenho sentido saudades da rua', pensei estes dias.

Estou na fase de organizacao dos dados; selecionando imagens, fazendo fichamentos e transcricoes, escrevendo sobre as ultimas acoes executadas - revendo toda a trajetoria desde o principio - e sobre a rede de afetos* do trabalho.


Objetos Estranhos produzidos para a Acao:

  1. Mascara estranha branca – continuacao da serie mascara estranha (mascaras do meu rosto), so que agora sem a imagem, so o formato, toda branca feita de cartolina na frente e verso e presa com elastico branco.

  2. Mascara estranha branca com legenda – continuacao da serie mascara estranha (mascaras do meu rosto), so que agora sem a imagem, so o formato, toda branca feita de cartolina na frente e verso e presa com elastico branco. Nesta escrevi em vermelho com a mao esquerda a frase: voce não é cego, na altura dos olhos.

  3. Pedacos de papel em branco, para 'entregar' as pessoas.

  4. Novelo de la vermelho para criacao de rede de afetos.

  5. Dois rolos de filme PVC para casulo.

  6. Roupao branco paravestir.

  7. Maquina fotografica digital (do Tonhao) para producao de imagens.

  8. Maquina filmadora digital (leo) para producao de imagens.


Estrutura Estranho, voce não é cego:

  1. Ficar em silencio, parado por algum tempo.

  2. Fazer alguns exercicios de respiracao.

  3. Colocar a mascara estranha.

  4. Andar.

  5. Oferecer papeis em branco.

  6. Assoviar.

  7. Cochichar: de que me serve ver? (Saramago)

  8. Trancar a rede de afetos entre arvores e pessoas.

  9. Tirar a mascara estranha.

  10. Pendurar a mascara na rede**.

  11. Sair andando e assoviando.


Vou levar tambem alguns trechos do livro do Saramago para usar como estimulos de construcao de micro acoes psico-fisicas, paisagens internas, partituras de deslocamentos e composicao de quadros coltivos:

Imediatamente sonhou que estava a jogar o jogo do E se eu fosse cego, sonhava que fechava e abria os olhos muitas vezes, e que, de cada vez, como se estivesse a regressar de uma viagem, encontrava à sua espera, firmes e inalteradas, todas as formas e cores, o mundo que conhecia. Por debaixo desta certeza tranqüilizadora percebia, contudo, o remover surdo de uma dúvida, talvez se tratasse de um sonho enganador, um sonho de que teria de acordar mais cedo ou mais tarde, sem saber, nesse momento, que a realidade estaria a sua espera. Depois, se tal palavra tem algum sentido aplicada a um quebrantamento que não durou mais que uns instantes, e já naquele estado de meia vigília que vai preparando o despertar, considerou seriamente que não estava bem manter-se numa tal indecisão, acordo, não acordo, acordo, não acordo, sempre chega uma altura em que não há outro remédio que arriscar, Eu que aqui, com estas flores em cima das pernas e os olhos fechados, que parece que estou com medo de abrir (17:1995).

Estou cego, não te vejo (18:1995).

A mulher sentou-se ao lado dele, abraçou-o muito, beijou-o com cuidado na testa, na cara, suavemente nos olhos, (18:1995).

Nada, Nada, quê, Nada, vejo sempre o mesmo branco, pra mim é como se não houvesse noite. (18:1995).

A luz, esta luz, para ele, tornara-se ruído (20:1995)

A mim, porquê. (21:1995)

Nesta noite o cego sonhou que estava cego (24:1995)

Há mil razões para que o cérebro humano se feche, só estendeu as mãos até tocar o vidro, sabia que sua imagem estava ali a olhá-lo, a imagem via-o a ele, ele não via a imagem (38:1995).

A cegueira não era viver banalmente rodeado de trevas, mas no interior de uma glória luminosa (94:1995).

Agora havia um silêncio dorido, de hospital, quando os doentes dormem e sofrem dormindo (97:1995).

Estes cegos, se não lhes acudirmos, não tardarão a transformar-se em animais, pior ainda, em animais cegos (134:1995).

Não aguento, não posso continuar a fingir que não vejo (134:1995).

Sou cobarde, murmurou exasperada, para isto mais valia estar cega, não andaria com veleidades de missionária (137:1995).

Um silêncio que parecia estar a ocupar o espaço de uma ausência, como se a humanidade, toda ela, tivesse desaparecido, deixando apenas uma luz acessa e um soldado a guardá-la, a ela e aum resto de homens e mulheres que não podiam ver (154:1995).

Oxalá não seja isto febre, pensou. Não seria, seria só uma fadiga infinita, uma vontade deenrolar-se sobre si mesma, ols olhos, ah, sobretudo os olhos, virados para dentro, mais, mais, mais, até poderem alcançar e observar o interior do próprio cérebro, ali onde a diferença entre o ver e o não ver é invisível à simples vista (158:1995).

Cala-te, dissem suavemente a mulher do médico, calemo-nos todos, há ocasiões em que as palavras não servem de nada, quem me dera a mim poder também chorar, dizer tudo com lágrimas, não ter que falar para ser entendida (172:1995).

E quando é necessário matar, perguntou-se a si mesma enquanto ia andando na direcção do átrio, e a si mesma respondeu, Quando já está morto o que ainda é vivo (189:1995).

Diz-se a um cego, estás livre, abre-se a porta que o separava do mundo, Vai, estás livre, tornamos a dizer, e ele não vai, ficou ali parado no meio da rua, ele e os outros, estão assustados, não sabem para onde ir, é que não há comparação entre viver num labirinto racional, como é, por definição, um manicômio, e aventurar-se, sem mão de guia nem trela de cão, no labirinto dementado da cidade, onde a memória para nada servirá, pois apenas será capaz de mostar a imagem dos lugares e não os caminhos para lá se chegar. (...) Mantêm-se juntos, apertados uns contra os outros, como um rebanho, nenhum deles quer ser a ovelha perdida porque de antemão sabem que nenhum pastor os irá procurar (211:1995).

Toda a gente está cega, Toda a gente, a cidade toda, o país, Se alguém ainda vê, não o diz, cala-se (215:1995).

Somos uma espécie de nora às voltas, ao princípio houve algumas lutas, mas não tardamos a perceber que nós, os cegos, por assim dizer, não temos praticamente nada a que possamos chamar de nosso, a não ser o que levamos no corpo (216:1995).

Nunca houve tanto silêncio no mundo (232:1995).

Não diferença entre o fora e o dentro, entre cá e lá, entre os poucos e os muitos, entre o que vivemos e o que teremos de viver (233:1995).

Já tinham uma luz dentro da cabeça, tão forte que os cegara (240:1995).

Mas o que penso é que estamos mortos, estamos cegos porque estamos mortos, ou então, se preferes que diga isto doutra maneira, estamos mortos porque estamos cegos, dá no mesmo(241:1995).

A responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam (241:1995).

É um velho costume da humanidade, esse de passar ao lado de mortos e não os ver (284:1995).

Engano teu, as imagens vêem com os olhos que as vêem (302:1995).

Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêm (310:1995).

*Sobre a rede de afetos, preciso esclarecer que ate agora estava usando esta expressao para falar da rede influencia que outros artistas, obras e pesquisqdores exercem sobre este meu trabalho ao longo deste processo de criacao e execucao. Vejo a rede, ao mesmo tempo, como metafora e metonimia das relacoes. Assim, estao na rede, ou, são a rede: Claudio Barros, Jerzy Grotowski, Rene Guera e cia das Maos, Denise Stoklos, Telma Cesar, Nara Salles, Antonin Artaud, Renato Cohen, Valeria Nunes, Glauber Xavier e os Saudaveis Subversivos, Bertold Brecht, Thiago Sampaio e a cia do Chapeu, Eris Maximiano, Jorge Glusberg, Nadja Rocha, Marcia Danielli e sua pesquisa sobre o corpo excluido, Jorge Shutze e cia LTDA, Cris Esteves e O Povo em Pé, Renato Ferracini, Lume Teatro, Foucaut, Deleuze, Levy, Fernando Villar, RoseLee Goldberg, Shima, Maicyra Leao, Jorge Lopes Ramos e Jade Maravala com o trabalho no Hotel Medea e agora o Arquipelago e suas ilhas. Cada um destes 'nos' da rede se conecta com varias outras redes num movimento de troca dinamico, expansivo e infinito, assim como o universo.

Agora, me veio o desejo de batizar assim tambem, uma acao/objeto que executo há algum tempo, tanto na minha vida privada, como em acoes cenicas performativas. A acao consiste em construir com o fio de la, uma especie de cama de gato, ou teia de aranha. Comecei a fazer as primeiras redes ainda em Maceio, quando morava na 'casa dos artistas'; fiz uma para sala da casa e outras duas no meu quarto. O acontecimento de construcao da rede sempre tinha um aspecto performatico no sentido dos rituais cotidianos, sempre era um momento de recolhimento pessoal e de uma certa transcendencia. A relacao com o tempo de execucao era (e é) bem subjetiva; parar ou continuar tecendo, depende da fissura do momento, de quanto a acao envolve o corpo e a mente na brincadeira de ir passando o fio pra la e pra ca, fazendo voltas, construindo e detalhando a trama que se forma irregularmente. Geralmente eu passava muitas horas tecendo. Para redes feitas nas paredes eu uso pregos como pontos de cruzamento das linhas. Já usei esta acao na performance Enquanto a luz não vem, realizada na graduacao em licenciatura/teatro e na performance Estranho o outro que esqueci durante o Drift; nestas acoes uso os corpos dos presentes para os pontos de cruzamento. nesta acao, pretendo tecer a rede entre partes dos corpos presentes e pontos do espaco, privilegiando as arvores e plantas.


** Pretendo deixar a mascara pendurada la de presente para alguém; no verso da mascara ha algumas sugestoes de uso, informacoes sobre a pesquisa e o meu contato aqui do blog.

Um comentário:

Anônimo disse...

METAGOZEI

COM AMOR